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sexta-feira, 28 de junho de 2013

Resolução nº 457/13 do Conama é um atentado aos direitos animais e à fauna brasileira

 


Da Redação da ANDA Agência de Notícias de Direitos Animais





Tráfico de animais: Pura crueldade e violência. Foto: Divulgação

Em meio aos protestos e à indignação do povo brasileiro em relação às políticas desastrosas dos governos, foi publicada nesta quarta-feira (26/06) no Diário Oficial da União (DOU) a Resolução nº 457 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), presidido pela Ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. A norma pode representar um dos maiores retrocessos da história ambiental brasileira, com graves consequências para os animais. Dentro de 180 dias, a contar da data de publicação, milhares de animais silvestres estarão sujeitos a viver de forma precária e nas mãos de pessoas nem sempre habilitadas e com boas intenções.

Com essa medida, todo cidadão brasileiro pode “tutelar” até dez animais silvestres de origem ilegal. A Resolução prevê a guarda “provisória” dos animais, vítimas do tráfico ou de outra forma de apreensão, a qualquer cidadão brasileiro, facilitando que pessoas suspeitas, mas com ficha limpa, possam receber esses animais. E não há estipulação de prazo para a expiração da guarda “provisória”. Ou seja, essa provisoriedade pode se transformar em prazo indeterminado.

O artigo 10 da Resolução, que trata do Termo de Guarda de Animais Silvestres, diz que “TGAS é pessoal e intransferível e não poderá ser concedido, no mesmo endereço, para mais de um CPF/CNPJ, podendo a cada interessado ser concedida a guarda de até 10 (dez) animais silvestres”. Em seguida, afirma que “a ampliação do número de animais poderá ser concedida pelo órgão ambiental, mediante justificativa técnica.”. O que quer dizer que algumas pessoas poderão ter 10, 20, 30 e muitos outros animais.



Olhar triste e sofrido de um animal vítima da inconsciência humana. Foto: divulgação

Cada detentor de um Termo de Guarda de Animais Silvestres ou Termo de Depósito de Animais Silvestres terá o direito de manter em cativeiro “anfíbios, répteis, aves, e mamíferos da fauna brasileira”, desde que não pertençam a espécies com potencial de invasão de ecossistemas ou ameaçadas de extinção e não tenham sido vítimas de maus-tratos – neste caso, as autoridades brasileiras não consideram o tráfico, cuja crueldade e violências são inerentes, como maus-tratos.

Na prática, a Resolução permite a qualquer um, inclusive sem histórico de trabalho ambiental, o destino desses animais já tão sofridos e explorados por pessoas inescrupulosas ou sem consciência. Legaliza o aprisionamento de animais silvestres e abre ainda uma brecha para que traficantes montem redes de pessoas com fins escusos, os chamados testas de ferro, para “cuidarem” desses animais.

Repercussão



De cada 10 animais traficados, apenas um sobrevive. Foto: Nilson Sandre

A norma significa um grave retrocesso para a luta em defesa dos direitos animais e da fauna brasileira que já sofre enormemente com o tráfico e a perda de habitat. Ativistas e políticos que atuam em defesa dos animais receberam com repulsa e indignação a publicação da Resolução, e pedem mobilização da sociedade para que esse grave equívoco seja revogado.

“Essa Resolução é vergonhosa e absurda, uma medida que só vai facilitar a atuação de traficantes no Brasil. Em resumo, o que estão fazendo é legalizar esse mercado monstruoso e imoral. Os órgãos governamentais já não têm condições de fiscalizar os criadouros, e terão ainda menos estrutura para fiscalizar as pessoas que estarão com esses animais sob suas guardas. A medida é um escândalo de proporções internacionais, nem em países mais atrasados do que o Brasil nesse assunto temos uma norma similar. Os brasileiros estão indo às ruas para protestar, esse é um importante tema de pauta para manifestações. A medida tem que cair, comenta Dr. Pedro Ynterian, presidente do Projeto GAP.



Milhões de animais morrem todos os anos vítimas do tráfico. Foto: Divulgação

“Enquanto o Novo Código Penal pretende aumentar a pena para o tráfico de animais, terceira atividade que mais movimenta dinheiro sujo no mundo, perdendo apenas para drogas e armas, o Conama abre espaço com essa resolução para que traficantes ampliem sua atividade, é quase uma legalização desse mercado hediondo, diz Lilian Rockenbach, coordenadora do Movimento Crueldade Nunca Mais.

“Enganadas e tolas. É assim que todas as instituições sérias e honestas que se dedicam com grande esforço a proteger e manter o bem-estar dos animais silvestres, durante anos, se sentem com a publicação dessa Resolução imoral e antiética. Mais uma vez, aqueles que traficam, maltratam e exploram animais, os fora da lei, são premiados em detrimento dos que atuam incansavelmente em centros de reabilitação e santuários. É, sem dúvida, a institucionalização da ilegalidade”, revela Cristina Harumi Adania, veterinária e coordenadora de fauna da Associação Mata Ciliar.

“Manter animais é um trabalho que exige técnicos e profissionais especializados, entre veterinários e biólogos e esta resolução, certamente, é um caminho duvidoso que, possivelmente, deixará o animal apreendido em situação vulnerável de maus-tratos e negligência. Há 22 anos o Rancho dos Gnomos trabalha diretamente com esta questão e pode afirmar que essa medida em nada contribuirá para amenizar a situação do tráfico de animais em nosso país. Sabemos da gravidade deste tema e, todas as vezes que nos posicionamos, sempre sugerimos a criação de Santuários em todos os estados brasileiros, aliado a um forte e intenso trabalho de conscientização ambiental em parceira com o poder público e privado, como o exemplo de países mais desenvolvidos. Resolução equivocada como esta é uma afronta aos direitos dos animais, tardando a tão almejada libertação animal”, pontuou Silvia e Marcos Pompeu, fundadores do Santuário Rancho dos Gnomos.



Foto: Wilson Dias/ABr

“Impressionante observar que, nos últimos tempos, a questão relacionada ao tráfico de animais silvestres manteve-se distante do interesse da mídia tradicional e dos órgãos ambientais, enquanto a exploração de animais passou a ser pautada até como uma solução para o problema. Essa Resolução é mais uma demonstração da inobservância e descumprimento da legislação ambiental, citada na própria Resolução, e não atende ao anseio do movimento de proteção e defesa animal. A incapacidade de atacar o problema em suas origens cria mecanismos que desconsideram a complexidade da questão que envolve os animais silvestres como: o tráfico, maus-tratos, risco de zoonoses, princípio da precaução, conservação e preservação de espécies, resgate de animais vitimados pela pressão urbana sobre o meio ambiente, entre outras”, explica Angela Maria Branco, veterinária e coordenadora geral da Pró-Animal – União pela Conscientização Ambiental e Preservação da Vida.

“Essa Resolução é inconstitucional na medida em que permite que os animais em estejam sob guarda irregular sejam mantidos nessa mesma situação. A inconstitucionalidade reside no fato de que a Resolução desrespeita o artigo 25 da Lei Federal 9.605/98, que determina que os animais apreendidos sejam entregues a centros de reabilitação, santuários, zoos e assemelhados desde que sob cuidados de técnicos habilitados”, explica Vania Tuglio, promotora de Justiça do Ministério Público de SP e coordenadora do Gecap (Grupo Especial de Combate aos Crimes Ambientais e de Parcelamento Irregular do Solo)

“A norma abre, por uma via reflexa, um perigoso canal para crimes e abusos por parte de quadrilhas que atuam no tráfico de animais. Já estou tomando as providências necessárias oficiando aos órgãos competentes para que essa resolução seja cancelada”, informa Ricardo Izar, deputado federal (PSD/SP) e criador e presidente da Frente Parlamentar do Congresso Nacional em Defesa dos Direitos Animais.

“Com a nova norma temo que possa abrir um caminho para a expansão do tráfico. O correto seria, ao invés dessa medida do Conama, os estados fornecerem mais Centros de Reabilitação de Animais (CRAs) para a recuperação e posterior devolução destes animais em seus locais de origem, de onde nunca deveriam ter saído, e aumentar a fiscalização e a punição aos traficantes de animais. Eu defendo que o crime de tráfico de animais se torne hediondo”, afirmou o deputado estadual Feliciano Filho (PEN/SP).

Assine a petição, clique aqui.

CFMV se posiciona contrário à Resolução em nota à imprensa

Em virtude da publicação da Resolução nº 457 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), do Ministério do Meio Ambiente, o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) vem a público manifestar-se contrariamente ao texto publicado no Diário Oficial da União, em 26 de junho de 2013.
Para o CFMV, diversos pontos do documento aprovado pelo CONAMA privilegiarão o tráfico de animais silvestres, promovendo a banalização de um crime que ameaça milhões de espécies da fauna brasileira diariamente.

Especificamente com relação aos critérios do Termo de Depósito de Animais Silvestres (TDAS), conforme passa a determinar a nova Resolução, o CFMV entende que este privilegiará ainda mais a ilegalidade, estimulando a impunidade e contrariando o conceito e a defesa de toda a classe para que haja mais rigor no combate ao tráfico de animais.

O CFMV considera, ainda, que a Resolução instituirá uma série de conflitos frente aos interesses dos criadouros comerciais – já constituídos pela Resolução nº 169 do IBAMA (08/12/2011) – que assumem um papel importante no combate ao tráfico e no desenvolvimento de conhecimento técnico para a reprodução, nutrição, manejo e cuidados sanitários.

Dessa forma, na avaliação deste Conselho Federal, a Resolução irá comprometer ainda mais a responsabilidade que foi transferida os estados para gestão e fiscalização da fauna em cativeiro, conforme determina a Lei Complementar nº140/2011, uma vez que todas as unidades federativas ainda encontram-se em processo de adaptação e estruturação.

O CFMV, como representante dos mais de 100 mil profissionais da Medicina Veterinária e da Zootecnia em todo o País, cobra um posicionamento do Governo Federal para que os esforços no combate ao tráfico e os riscos à proteção da fauna brasileira não sejam negligenciados.

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA VETERINÁRIA
Ana Carolina Freitas
Assessora de Imprensa
CFMV – Conselho Federal de Medicina Veterinária
(61) 2106-0426

Tráfico de animais



O tráfico de animais é responsável pela extinção de muitas espécies para alimentar a ganância de alguns. Foto: Divulgação

Terceiro maior negócio ilegal do mundo, o tráfico de animais silvestres é superado apenas pelos tráficos de armas e de drogas, sendo que no Brasil, de cada 10 animais capturados pelos traficantes, apenas um sobrevive. Estima-se que cerca de 95% do comércio de animais silvestres brasileiros seja ilegal.

Segundo a associação ecologista internacional World Wide Fund for Nature (Fundo Mundial para a Natureza – WWF), o tráfico de animais gera 15 bilhões de euros por ano. A participação do Brasil nesse mercado sujo ultrapassa a casa de 1 bilhão de euros por ano.

O Brasil é um dos principais alvos de traficantes de animais silvestres em função da sua enorme biodiversidade e exuberância de sua fauna. Todos os anos, quase 40 milhões de animais são retirados ilegalmente de seu habitat em nosso país, dos quais 40% são exportados, segundo dados da Polícia Federal.

O tráfico de animais vem colocando em perigo a biodiversidade do planeta, nomeadamente através do seu impacto sobre grandes mamíferos. O tráfico, ao lado do desmatamento e da urbanização, é responsável por colocar milhares de espécies de animais e plantas em extinção e risco de extinção.



A devastação das florestas e a retirada de animais silvestres de seu ambiente já causaram a extinção de inúmeras espécies e, por consequência, um desequilíbrio ecológico. Animais pagam com a vida para que algumas pessoas tenham a satisfação egoísta e inconsciente de alguns.

Espécies silvestres exigem cuidados especiais e, ao se darem conta do trabalho e dos gastos para mantê-los, as pessoas acabam abandonando-os ou doando-os a zoológicos ou outras entidades. Os animais, por terem vivido em cativeiro, perder sua habilidade de caçar alimentos e de se defender de predadores. Se forem soltos na natureza, dificilmente sobreviverão.

É absolutamente impostergável a urgente necessidade de tipificar adequadamente e punir severamente o tráfico de animais, conforme aponta o documento entregue pelo movimento nacional de proteção e defesa animal, encabeçado pelo FNDPA e o Movimento Crueldade Nunca Mais.

Matéria da ANDA Agência de Notícias de Direitos Animais, reproduzida pelo EcoDebate, 28/06/2013

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Câmara dos Deputados vota contra a PEC 37

 Manifestação em Lavras/MG no dia 20/06/2013


Com 430 votos contra e nove a favor, PEC 37 foi derrubada pelo clamor popular, na noite desta terça-feira

A Câmara dos Deputados votou na noite desta terça-feira, 25 de junho, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n.° 37. Com 430 votos contra e apenas nove a favor, a PEC 37 foi derrubada.

O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), juntamente com todos os MPs do Brasil, esteve mobilizado, desde o início deste ano, contra a aprovação da PEC, que impediria o Ministério Público e outros órgãos de realizarem investigações criminais, que passariam a ser de competência exclusiva das Polícias Federal e Civil.

A votação estava marcada para o dia 26 de junho, mas o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, decidiu adiar, segundo ele, por não haver acordo entre os representantes do Ministério Público e das Polícias quanto ao texto substitutivo.

Foi então marcada uma reunião para o dia 25 de junho, quando seria decida uma nova data para a votação. No entanto, nessa reunião, os líderes dos partidos na da Câmara decidiram votar a PEC imediatamente, derrubá-la e, posteriormente, discutir uma nova proposta que regulamente as investigações criminais.

Apoio popular

 Durante as últimas semanas, milhares de manifestantes foram às ruas protestar e, entre as muitas reivindicações, eles pediam o arquivamento da PEC 37. Esse apelo popular foi decisivo para que os deputados federais derrubassem a proposta.

Mas a luta contra a aprovação da emenda, que ficou conhecida como "PEC da impunidade", começou bem antes dessas manifestações . O Conselho Nacional de Procuradores-Gerais (CNPG), a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público Ministério Público (Conamp), a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), a Associação Nacional do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (AMPDFT), a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) e a Associação Nacional do Ministério Público Militar (ANMPM) criaram a campanha Brasil contra a impunidade.

Clique aqui para acessar o site da campanha.

Em todo o país, o Ministério Público promoveu mobilizações ao longo deste ano. Em Minas Gerais, em abril, cerca de 300 cidades realizaram atos públicos, onde foram coletadas mais de 100 mil assinaturas contra a PEC. No dia 24 de abril, em Brasília, foram entregues ao presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves, aproximadamente 200 mil assinaturas virtuais e 500 mil manuais. No dia 25 de junho, o abaixo-assinado virtual já contava com mais de 450 mil apoiadores.

Procuradores-Gerais, presidentes de Associações e outros membros do Ministério Público brasileiro foram a Brasília e se reuniram com parlamentares, com o objetivo de conscientizá-los do retrocesso que representaria a aprovação da emenda.

Uma enquete realizada pela Câmara dos Deputados atingiu 230.383 votos, um recorde de participação popular pelo portal da Câmara. A pergunta era: "Você concorda que investigações criminais sejam realizadas somente pela Polícia e não mais pelo Ministério Público?". A opção "Não. Acho que o MP deve poder investigar quando julgar necessário." recebeu 87,24% dos votos.

Além disso, entidades e personalidades do Brasil e do mundo manifestaram seu apoio à campanha contra a aprovação da PEC 37 por meio de notas e moções de repúdio.
 

terça-feira, 25 de junho de 2013

Para juristas, convocação de Constituinte exclusiva para debater reforma política é inviável

 



Rio de Janeiro, 24/06/2013 – A seção do Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro (OAB-RJ) promoveu na manhã de ontem (24) um ato a favor da reforma política. No evento, a entidade anunciou a criação de um comitê de mobilização pela reforma política, que vai ter representantes da sociedade civil. Na foto, a presidenta do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj), Márcia Rosa. Foto de Tânia Rêgo/ABr



Juristas e advogados disseram ontem (24) que a convocação de Assembleia Constituinte para debater exclusivamente a reforma política é juridicamente inviável. Nesta tarde, a presidenta Dilma Rousseff informou que pretende lançar um plebiscito para a população decidir se quer convocar a Constituinte para discutir unicamente o tema. A última assembleia resultou na Carta Magna de 1988, que reformulou o texto em vigor durante o regime militar.

De acordo com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello, a presidenta Dilma usou uma “força de expressão” ao citar a convocação de Constituinte, pois a reforma “pode e deve” ser feita por meio de emendas. “O que ela quis foi ressaltar a necessidade de uma mudança de rota e portanto, de providências dos Poderes constituídos, principalmente do Congresso. A reforma política tarda, aí não há consenso e fica por isso mesmo”, analisou.

Para Marco Aurélio, não é necessária a convocação de plebiscito para analisar se os cidadãos querem reforma política. “É só perceber os anseios da sociedade. E a sociedade quer mudança no campo ético, no arcabouço normativo, atenção maior para serviços públicos”, analisou.

Prestes a tomar posse como ministro do STF, Luís Roberto Barroso defende que a teoria jurídica não admite a convocação de uma Assembleia Constituinte parcial. “Ninguém pode convocar a Constituinte e estabelecer agenda prévia, o constituinte não tem agenda pré-fixada. Mas às vezes a realidade derrota a teoria constitucional”, avaliou, em entrevista concedida a um site jurídico em 2011.

Para Barroso, a Constituição atual permite qualquer tipo alteração no sistema representativo, segundo as teses atuais. “Não vi nenhuma ideia posta em debate em reforma política que não possa ser concretizada com a Constituição que temos, ou no máximo, emenda. Eu acho que convocar poder constituinte originário é mais um fenômeno retórico que uma necessidade jurídica”, avaliou.

Para o ministro aposentado do STF Carlos Velloso, que presidiu a Corte entre 1999 e 2001, a ideia da Constituinte limitada a apenas um tema é “um despropósito” e não tem fundamento jurídico. Ele também criticou se fazer um plebiscito para tratar do tema. “Essa medida de plebiscito eu considero um absurdo, algo inusitado que esconde qualquer coisa, porque não tem apoio na ordem jurídica”.

Velloso acredita que as reformas devem ser implementadas por meio de emendas à Constituição ou de projetos de lei, opinião também defendida pela Ordem dos Advogados do Brasil. “É muita energia gasta em algo que pode ser resolvido sem necessidade de mexer na Constituição. Basta alterar a Lei das Eleições e a Lei dos Partidos”, analisa o presidente Marcus Vinicius Furtado.

Procurada pela Agência Brasil para comentar a viabilidade jurídica da medida apresentada pela presidenta Dilma Rousseff, a Advocacia-Geral da União não se manifestou até o fechamento da matéria.

Edição: Fábio Massalli

Reportagem de Débora Zampier, da Agência Brasil, publicada pelo EcoDebate, 25/06/2013

Novo estudo demonstra contaminação de água potável por gás de xisto




Um novo estudo revelou a contaminação de reservas de água potável próximas a jazidas de extração de gás xisto nos Estados Unidos, o que poderia reativar o debate sobre o impacto ambiental desta técnica controversa.

Cientistas da Universidade Duke, da Carolina do Norte (leste), analisaram amostras de água de 141 poços privados que abastecem as casas situadas na bacia de gás xisto de Marcellus, no nordeste da Pensilvânia e no sul do estado de Nova York.

As concentrações de metano na água potável das residências situadas a menos de um quilômetro dos locais de perfuração eram, em média, seis vezes maiores às da água das casas que estavam mais distantes, enquanto as concentrações de etano eram 23 vezes superiores.

A quantidade de metano superava amplamente, na maioria destes poços, os 10 miligramas por litro de água, o máximo nível aceito pelas autoridades sanitárias dos Estados Unidos. Também foi detectado propano em dez amostras d’água dos poços das casas situadas a menos de um quilômetro dos locais de extração.

“Os resultados sobre metano, etano e propano, assim como novos indícios de rastros de isótopos de hidrocarboneto e hélio, nos levam a crer que a extração de gás de xisto afetou as fontes de água potável nos lares” mais próximos, disse Robert Jackson, professor de ciências ambientais da Universidade Duke e autor principal deste trabalho na publicação especializada PNAS de 24 a 28 de junho.

Os dados sobre a contaminação de etano e propano “são novos e difíceis de refutar”, insistiu. “Não há nenhuma fonte biológica de etano e propano na região e a bacia de gás de xisto Marcellus é rica nestes dois gases”, reforçou o pesquisador.

Estes cientistas consideraram todos os fatores que poderiam explicar a contaminação, inclusive a topografia e as características geológicas do local.

“Nossa pesquisa mostra que a distância com os locais de extração, assim como as variações na geologia local e regional, são os principais fatores para determinar o possível risco de contaminação das água subterrâneas que devem ser considerados antes da perfuração”, explicou Avner Vengosh, professor de geoquímica e de qualidade da água, coautor do trabalho.

Estudos anteriores feitos pelos pesquisadores da mesma universidade tinham encontrado indícios de contaminação de metano em poços d’água situados perto das áreas de perfuração no nordeste da Pensilvânia.

No entanto, um terceiro estudo, feito por cientistas do Instituto Nacional de Geofísica dos Estados Unidos, não tinha encontrado evidências de contaminação na água potável por causa da extração de gás de xisto no Arkansas (centro).

Nenhuma destas pesquisas detectaram contaminação pelo fluido – uma mistura de água e produtos químicos – injetado com forte pressão para fissurar a rocha e liberar o gás de xisto.

O gás e o petróleo de xisto tiveram um verdadeiro boom na América do Norte, que tem reservas de gás para um século, enquanto o nível mundial de duração destas reservas é estimada em 250 anos. (Fonte: Terra)

segunda-feira, 24 de junho de 2013

MPMG conclui diagnóstico sobre as unidades de conservação de Minas Gerais

 

 Estudo aponta que 70,38 % dos parques existem apenas no papel. ALMG realizada debate nesta terça-feira, 25, para discutir Arêdes e outras unidades de conservação


Estudo feito pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) revela que, dos 605.921,67 hectares de áreas protegidas pelas unidades de conservação, apenas 179. 529,23 hectares - apenas 29,62% - estão regularizadas. Os 426.392,44 hectares restantes - 70,38% das unidades de conservação - ainda não estão regularizados fundiariamente, ou seja, as propriedades não foram adquiridas pelo Estado.
Apurou-se, no curso do Inquérito Civil Público instaurado em novembro de 2012, que existem 73 unidades de conservação estaduais de proteção integral em Minas Gerais, sendo 37 parques, oito estações ecológicas, nove reservas biológicas, duas florestas estaduais, dez monumentos naturais, uma reserva de desenvolvimento sustentável e quatro refúgios da vida silvestre.
A investigação foi iniciada em razão da matéria jornalística divulgada na edição da revista Ecológico, de outubro de 2012, intitulada SOS Semad - Ecologistas questionam governo sobre contingenciamento de praticamente todos os recursos destinados ao meio ambiente.

INVESTIGAÇÃO
Logo após a publicação da referida matéria jornalística, foi instaurado um Inquérito Civil Público pelos promotores de Justiça Mônica Fiorentino (Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente de Belo Horizonte), Carlos Eduardo Ferreira Pinto (Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente) e Marcos Paulo de Souza Miranda (Promotoria Estadual de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais) com o objetivo de apurar eventuais irregularidades na destinação ou na falta de destinação dos recursos arrecadados pelo Estado de Minas Gerais por meio da compensação ambiental prevista no art. 36 da Lei n.º 9.985/2000, que estabelece o investimento de pelo menos 0,5% do valor dos empreendimentos licenciados para a estruturação e implementação de unidades de conservação.
Além da questão das áreas protegidas pelas unidades de conservação, ou seja, a constatação de que apenas 29,62% dos 605.921,67 hectares estão regularizados, foi apurado que os valores arrecadados a título de compensação ambiental e que deveriam ser revertidos, prioritariamente, para a regularização fundiária das unidades, não estavam sendo corretamente aplicados.
O saldo da conta do Estado de Minas Gerias, em dezembro de 2012, era de aproximadamente R$ 98 milhões. Entretanto, segundo informações prestadas pelo secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Adriano Magalhães Chaves, no ano anterior foram empenhadas despesas de pouco mais de R$ 5 milhões para a regularização fundiária, o que corresponde a apenas 5,36 % do montante disponível.
Em abril de 2013, o valor disponível para investimento nas unidades de conservação era de R$ 111.255.236,78.
Paralelamente ao trabalho realizado pelo MPMG, uma avaliação da gestão das Unidades de Conservação do Sistema Estadual de Áreas Protegidas de Minas Gerais, elaborado por professores doutores da Universidade Federal de Lavras, concluiu que "a falta de regularização fundiária é o maior gargalo para a gestão, e o maior motivo para conflitos". Ainda segundo o estudo, há carência de infraestrutura em 86,8 % das unidades de conservação do Estado, e não existem planos de manejos na maioria delas.
Apurou-se que auditoria do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, realizada em 2012, já havia advertido que a "ausência de ações efetivas em prol da regularização fundiária terminam por comprometer o encadeamento de medidas decisivas no trato da efetividade. Assim, há que se ressaltar: deficiências de infraestrutura física e de pessoal para o manejo, a não elaboração dos planos de manejo e deficiências no gerenciamento de recursos financeiros para as UCPIs".
Por fim, verificaram-se fragilidades e deficiências nos mecanismos de participação social na gestão das UCPIs mineiras. A experiência demonstra que a participação social, seja na consulta pública, nos conselhos consultivos, seja nos demais processos integrativos, promove maior legitimidade às ações públicas, bem como a representatividade alcançada no processo mobilizador sério e democrático traz harmonia e valorização humana das comunidades do entorno das UCPIs.
Segundo o coordenador das Promotorias de Justiça Ambientais por Bacia Hidrográfica de Minas Gerais, Carlos Eduardo Ferreira Pinto, em razão da apuração realizada em Belo Horizonte, as Coordenadorias Regionais de Proteção do Meio Ambiente foram acionadas e, em conjunto com os promotores de Justiça de cada uma das comarcas, já instauraram 52 investigações para apurar a situação concreta de cada uma delas. O objetivo é investigar a situação de todas, se necessário acionando o Poder Judiciário, para que haja a efetiva implantação.

SITUAÇÃO DE ALGUNS PARQUES
O coordenador das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais destaca que grande parte dos sítios arqueológicos, espeleológicos, paleontológicos e geológicos do Estado está dentro das unidades de conservação, tais como os Parques do Sumidouro, Rola Moça e Serra de Ouro Branco, o Monumento Natural da Serra da Moeda e a Estação Ecológica de Aredes.
Entretanto, segundo Marcos Paulo, o descaso é a tônica na gestão desses espaços. "Percebemos que não há vontade política da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) em avançar nessa área, apesar de os recursos existirem. Em razão da falta de eficiência do Estado e dos prejuízos ambientais concretos com os quais temos nos deparado, o MPMG tem o dever de agir, e não nos furtaremos a essa obrigação", declara.
O Parque Estadual do Sumidouro, por exemplo, segundo o Decreto Estadual 44.500/2007, que institui o plano de governança ambiental e urbanística da região metropolitana de Belo Horizonte, previu que, nos termos do licenciamento ambiental do Aeroporto Internacional Tancredo Neves, em Confins, e da Linha Verde, deveria estar totalmente implantado até 30 de dezembro de 2008. Entretanto, menos da metade da área foi regularizada, e a cada dia que passa o valor da desapropriação fica mais caro, pois a unidade está situada ao lado do Aeroporto de Confins, uma das áreas mais caras do Vetor Norte.
Quanto ao Parque do Rola Moça, existe a obrigação de uma empresa mineradora custear a implantação completa de um núcleo museológico e de um centro de visitantes na unidade como medida compensatória estabelecida pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Entretanto, apesar de mais de três anos de tentativas, a Semad não quer se responsabilizar pela gestão posterior do espaço.
Para o Monumento da Serra da Moeda, o MPMG conseguiu, em 2011, o compromisso de uma empresa mineradora elaborar o seu plano de manejo, mas até hoje o IEF sequer disponibilizou o termo de referência para a contratação.
Em relação à Estação Ecológica de Aredes, situada em Itabirito, onde existem ruínas de uma vila mineradora do século 18, a situação é ainda pior. A unidade foi criada em razão de gestões do Ministério Público e é uma das poucas com 100% da área com terras de propriedade do Estado, pois a maior parte era de propriedade da Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais (Cetec). O restante foi doado como medida compensatória estipulada pelo MPMG. "Já conseguimos a realização dos estudos arqueológicos pela Universidade Federal de Minas Gerais, a recuperação das áreas degradadas e o custeio de guardas-parques mediante acordo com empresas vizinhas e ainda temos mais de R$ 1 milhão depositados judicialmente para a efetivação da unidade de conservação", revela Marcos Paulo. "Entretanto, não conseguimos investir os recursos porque o IEF diz que a burocracia interna não permite", finaliza.

AUDIÊNCIA PÚBLICA
Nesta terça-feira, 25, uma audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) será realizada para debater as alterações de limites da Estação Ecológica de Arêdes, em Itabirito, na Região Central do Estado, e das demais unidades de conservação estaduais. A audiência terá início às 14h30, no Teatro, pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da ALMG.
Na Assembleia tramita o Projeto de Lei n.º 311/2012, que pretende excluir da Estação Ecológica de Aredes a área de maior relevância cultural da unidade, repleta de ruínas históricas e vestígios arqueológicos, para fins de viabilizar a exploração minerária.
Os promotores de Justiça Mauro da Fonseca Ellovitch e Bergson Cardoso Guimarães apresentarão, à Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, o relatório feito pelo MPMG que trata da situação das áreas protegidas pelas unidades de conservação.
Também se encontra em tramitação o Projeto de Lei n.º 3.405/2012, que pretende desafetar parte da área do Parque da Serra de Ouro Branco. Segundo a justificativa da proposta, "até o momento não houve a criação efetiva do Parque, tampouco ajuizamento de ações judiciais necessárias à desapropriação de imóveis que virão a integrá-lo, assim como os proprietários não foram indenizados. A região do parque se encontra em estado de abandono, sujeita às intempéries climáticas, incêndios, queimadas e devastação".

Ministério Público de Minas Gerais Superintendência de Comunicação Integrada Diretoria de Imprensa
Tel: (31) 3330-8016/3330-8166 Twitter: @comunicacaoMPMG Facebook: ComunicacaoIntegradaMpmg

sexta-feira, 21 de junho de 2013

A busca por reconhecimento e participação política: o combustível das manifestações. Entrevista com Luiz Werneck Vianna

 


“É evidente que temos que passar por reformas políticas importantes no sentido de que o sistema político se abra à participação”, defende o sociólogo e professor da PUC-Rio

 

“O que acontece nessas manifestações é uma recusa”. A afirmação é do professor e pesquisador Luiz Werneck Vianna (foto abaixo) ao comentar sobre a onda de protestos que se disseminou pelas principais capitais brasileiras na última segunda-feira, dia 17-06. “Ao longo desses anos, essa geração cresceu vendo e se confrontando com uma situação em que os partidos e a classe política em geral se desmoralizavam a cada dia (…). Tudo isso foi distanciando a população, especialmente os jovens, da vida institucional. Eu insisto: o problema todo é auscultar de forma correta os sinais que estão vindo e agir da forma mais tempestiva possível, pois há o risco de não haver mais tempo”.

Para ele, as manifestações expressam “um sentimento de exclusão da arena pública” e “a busca por reconhecimento social”. “As pessoas querem ser reconhecidas, querem que sua dignidade e identidade sejam respeitadas, legitimadas. O tema do reconhecimento, por um lado, e o da participação política, por outro, são o combustível dessa movimentação”, avalia.

Na entrevista concedida por telefone para a IHU On-Line, Werneck Vianna afirma torcer para que o processo desses dias “sirva como uma sinalização poderosa para que mudanças importantes na política brasileira comecem a ser encaminhadas. É um sinal de alerta. Se nada for feito a tempo, se é que ainda há tempo, esse movimento pode ter um desfecho muito ruim. É preciso evitar (…) que 2013 tenha o mesmo desfecho que 1968, isto é, uma juventude desencantada com a política, radicalizada e que procure formas inadequadas de resolução de problemas”.

Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador na PUC-Rio. Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo, é autor de, entre outros, A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1997); A judicialização da política e das relações sociais no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1999); e Democracia e os três poderes no Brasil (Belo Horizonte: UFMG, 2002). Sobre seu pensamento, leia a obra Uma sociologia indignada. Diálogos com Luiz Werneck Vianna, organizada por Rubem Barboza Filho e Fernando Perlatto (Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2012).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como podemos compreender as manifestações sem lideranças que ocorreram ontem e na última semana em várias capitais brasileiras? O que elas significam?

Werneck Vianna – De um lado, o afastamento imenso da população, em especial dos jovens, da política e dos partidos políticos. Esse é o primeiro ponto, muito evidente. O porquê do movimento, aparentemente por um motivo quase banal – o aumento irrisório do preço das passagens –, ter desencadeado esta proporção só pode ser entendido como um sentimento que vem se acumulando de exclusão e insatisfação. Ao lado disso, se nas ruas não há vestígios de organização, as redes sociais estão absurdamente dominadas por um diálogo interminável a respeito da situação da geração atual, que tomou forma a partir de um episódio que podia ser entendido como algo de menor expressão. O fato também de terem sido rechaçados por uma repressão muito forte, após seus primeiros movimentos, incendiou a imaginação. Enfim, essa geração se pôs no mundo e está aí a sua marca.

Por outro lado, é preciso considerar que esse país tem passado por mudanças muito significativas na sua composição social, na sua demografia, na sua estrutura de classes. Há uma nova classe média, não a classe dita “C”, relacionada a esses programas governamentais, como o Bolsa Família. É uma classe média dos novos serviços, das novas ocupações, que é muito diferente das classes médias tradicionais, tal como havíamos conhecido. Trata-se de uma classe média de um novo tipo. E ela está sem perspectiva quanto ao seu projeto de vida. Além do mais, os setores baixos dessa classe média estão cultivando um ressentimento muito grande. Este ressentimento se manifestou na raiva com que essas manifestações se deram.

IHU On-Line – Na Espanha, as manifestações dos indignados do movimento 15M demonstraram um desconforto econômico, político e social. As mesmas razões motivam as manifestações no Brasil, ou elas são de outra ordem?
Werneck Vianna – Acho que não são as mesmas razões. O tema aqui é mais político e cultural. É um sentimento de exclusão da arena pública. A falta de participação dessa geração na política é algo que chama a atenção. Por outro lado, a busca por reconhecimento social desses grupos emergentes das classes médias é muito forte e o tema do reconhecimento é muito associado ao tema do ressentimento. As pessoas querem ser reconhecidas, querem que sua dignidade e identidade sejam respeitadas, legitimadas. O tema do reconhecimento, por um lado, e o da participação política, por outro, foram o combustível dessa movimentação. Não creio que isso esteja vinculado diretamente a causas econômicas. Até porque, como se observa, do ponto de vista da economia, há no país – e as pesquisas indicam isso – um sentimento de satisfação, de que a vida tem melhorado e pode melhorar ainda mais. A França da Revolução Francesa – anotou Tocqueville no seu trabalho clássico O Antigo Regime e a Revolução – estava em um momento de expansão econômica. Diz ele, nessa obra, “nunca o campesinato teve tanto acesso à propriedade como naquele momento”. Havia um sentimento de melhoria do ponto de vista econômico. No entanto, veio a revolução. O que ele dizia é que quem ficasse procurando as causas a partir desse ângulo jamais entenderia a Revolução Francesa. Ela deveria ser entendida pela sua especificidade política naquele momento. Com isso, ele quis dizer que o absolutismo francês havia desfeito todas as organizações intermediárias vigentes na França tradicional e a massa do povo ficou isolada, fragmentada, antepondo-se diretamente ao Estado.

Devemos procurar as origens desse movimento que ainda não terminou e não se sabe para onde vai. Fora as redes sociais, não há nada que esteja organizando a sociedade, especialmente essa multidão de jovens, que vem acorrendo à vida social. Não há clubes, não há partidos. Estes (os partidos) vivem inteiramente orientados para sua reprodução política, eleitoral, não têm trabalho de consolidação, de nucleação. A própria Igreja Católica, que antes cumpria um papel muito importante nessa organização, hoje tem um papel muito pequeno. A sociedade está inteiramente isolada da esfera pública. São dois mundos que não se tocam. Por toda a parte viam-se faixas com os seguintes dizeres: “nós não acreditamos na representação que aí está”. Foi um movimento dirigido também contra essa política. Temos que procurar as origens desse processo, que mal começou, nessa forma de relação entre Estado e sociedade, entre política e sociedade. Está evidente que temos que passar por reformas políticas importantes no sentido de que o sistema político se abra à participação. Esses partidos que estão aí foram chamados pelo ministro Joaquim Barbosa de “partidos de mentirinha”. Embora ele seja muito midiático, nesse ponto não há como discordar dele.

Um movimento desses, multitudinário, que vai às ruas, sem lideranças conhecidas, é um perigo. Tudo pode acontecer. Abre-se campo para a selvageria. Com quem negociar? Tomara que o processo desses dias – de ontem (17-06-2013) em particular – sirva como uma sinalização poderosa para que mudanças importantes na política brasileira comecem a ser encaminhadas. É um sinal de alerta. Se nada for feito a tempo, se é que ainda há tempo, esse movimento pode ter um desfecho muito ruim. É preciso evitar – e escrevi isso em um artigo que saiu hoje (18-06) no Estadão – que 2013 tenha o mesmo desfecho que 1968, isto é, uma juventude desencantada com a política, radicalizada e que procure formas inadequadas de resolução de problemas.

IHU On-Line – E quais seriam as formas adequadas?
Werneck Vianna – Participação política e organização social.

IHU On-Line – Ainda há um cenário propício para isso?
Werneck Vianna – Se não houver, as coisas irão mal. O sinal que soou é muito forte para não ser ouvido e bem interpretado. A política de presidencialismo de coalizão, da forma como a praticamos, demonstrou seu esgotamento, levou à desmoralização da política com o “toma lá, dá cá” e a compra de votos.

IHU On-Line – O que significa uma manifestação cujo grito de guerra seja “povo unido não precisa de partido”? Trata-se da falência da política representativa? Como pensar uma política sem partidos?
Werneck Vianna – O que acontece nessas manifestações é uma recusa. Ao longo desses anos, essa geração cresceu vendo e se confrontando com uma situação em que os partidos e a classe política em geral se desmoralizavam a cada dia. Basta ver o noticiário dos jornais: corrupção disso, negociata daquilo. Tudo isso foi distanciando a população, especialmente os jovens, da vida institucional. Eu insisto: o problema todo é auscultar de forma correta os sinais que estão vindo e agir da forma mais tempestiva possível, pois há o risco de não haver mais tempo. O que temos a comemorar nesta terça-feira é um fato importantíssimo: de que esse movimento ainda não carrega um morto. Se tivesse havido conflitos mais severos, com mortos, não se sabe como o país teria acordado hoje. Agora é preciso fazer um balanço do que vem acontecendo e apresentar alternativas e soluções. Nisso, a imprensa tem um papel muito importante de localizar entre eles lideranças, fazer com que elas falem, identificá-las. Porque evidentemente as lideranças podem estar subterrâneas. Afinal, deve haver pessoas que estejam exercendo uma liderança silenciosa sobre esse processo todo. 2013 pode ser o começo de uma cena nova, significando a entrada dessa geração na política institucional brasileira. Ou, contrariamente, com um mau desfecho, uma má solução, isso pode acabar como em 1968, radicalizando a juventude e afastando-a da vida política.

IHU On-Line – Que modelo de política se pode vislumbrar a partir dessa característica mais participativa da população, sem lideranças específicas?
Werneck Vianna – Isso se forma no calor da hora. Pode levar tempo, é preciso ter calma, inteligência, para poder enfrentar uma situação dessas. Não ter pressa. Essa crise vai se alongar. Grande parte desses jovens que estão nas ruas é estudante. Eu vi na universidade em que eu trabalho eles se organizando para a passeata. Acredito que hoje eles estarão comentando o que se passou ontem. Nesse processo de diálogo, de comunicação entre eles mesmos, e da comunicação entre eles e nós, intelectuais, políticos e imprensa, a coisa vai se sedimentando, criando uma nova cultura. O fato é que estamos em um deserto cultural, político, num Saara monumental em que tudo o que era vivo foi levado para dentro do Estado, através desta cooptação política desenfreada que esse governo – que é Estado – desencadeou. E esses movimentos sociais cooptados (como ficou claro) não têm a menor condução dos processos reais. O que eles fizeram ontem? Foram capazes de dar diretivas? Não. Esses movimentos perderam a aura, a autenticidade, a legitimidade, perderam bases.

IHU On-Line – Gilberto Carvalho disse que o governo está preocupado com os protestos e quer garantir diálogo com os movimentos para entender “anseios importantes” que têm levado as pessoas a se manifestar. O governo foi pego desprevenido?
Werneck Vianna – O governo e todos nós vamos ter que entender. O que eu posso dizer é que o acontecimento foi de tal proporção que os seus próprios participantes, hoje, devem estar na condução, nas escolas, nas universidades, discutindo o que houve ontem e o que fazer. O que está claro é que a grande massa desse movimento reprimiu a violência de alguns grupos. Ali se misturou tudo. Os setores mais ressentidos tiveram a oportunidade de manifestar sua fúria, num protesto pela sua exclusão, pelo fato de não serem reconhecidos, e no protesto pelas políticas públicas que não funcionam, como tantas faixas falavam: “não queremos Copa, queremos saúde e educação”.

Essa questão da Copa demonstrou ser realmente um desastre, com gastos suntuosos para a organização de um espetáculo de tipo europeu, que não tem nada a ver com a tradição do futebol brasileiro. As pessoas se sentiram excluídas também nos estádios. De modo que a chave não é econômica. Ela é fundamentalmente política e cultural.

IHU On-Line – O atual cenário de manifestações pode determinar as eleições e a sucessão presidencial ou não?
Werneck Vianna – Certamente terá influência. Ainda não há como saber qual será. Agora, a candidatura da Marina Silva certamente será bafejada por esse tipo de movimento, porque isso tem muito a ver com a cultura que ela representa. Basta ver o próprio nome do partido: Rede. Isso não quer dizer que ela vá ganhar as eleições. O futuro a Deus pertence e ele está para ser criado por nós agora. O fato é que essa forma de administração da questão social assimétrica, de cima para baixo, através de políticas de cooptação, levou a esse descalabro, a essa distância entre o Estado e a sociedade e a essa destituição do papel dos movimentos sociais tradicionais. Basta ver a situação da UNE, que assistiu a tudo isso de camarote, olhando de binóculo esses acontecimentos.

Veja também:
O movimento da hora presente. Artigo de Luiz Werneck Vianna

(Por Patricia Fachin e Graziela Wolfart)

(Ecodebate, 21/06/2013) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Crajiru, da sabedoria popular à pesquisa médica

 



Crajirú. Arrabidea chica (Humb.& Bonpl.) B. Verl. Planta medicinal. Coleção Temática de Plantas Medicinais do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Foto de Sylvio Rodrigues Pereira, no Flickr.



Unicamp desenvolve medicamento a partir do crajiru, planta encontrada e utilizada para fins medicinais em todo o país. O novo produto promete beneficiar diabéticos com ulcerações e pacientes imunodeprimidos.

No Nordeste, chá contra cólicas e tratamento de micoses. Para os índios da Amazônia, tinta para a pele. Em Passos de Minas (MG), banho de assento e tratamento contra picada de insetos. A sabedoria popular já utiliza a Arrabidaea chica verlot, conhecida popularmente como crajiru. Ao lado do alho, do caju e da carqueja, a planta está na relação nacional de espécies medicinais de interesse do Sistema Único de Saúde (SUS), que reúne cerca de 70 itens. Em 2003, um projeto de uma empresa de cosméticos resolveu investigar o crajiru para a produção de batons. O estudo, realizado por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), acabou levando a outras descobertas, como a potencialidade de se criar outro medicamento fitoterápico para cicatrização de lesões de pele e mucosa. Matéria de Shirley Pacelli, no Correio Braziliense, socializada pelo ClippingMP.

http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2013/6/17/da-sabedoria-popular-a-pesquisa

O novo produto não deve ser apenas mais um no mercado. Os estudos comprovam que ele tem poder cicatrizante muito eficiente e pode atender pacientes diabéticos com ulcerações e imunodeprimidos (pessoas cujo sistema imunológico está enfraquecido). “O crajiru tem baixa toxicidade e eficiência alta”, afirma Mary Ann Foglio, coordenadora do projeto e pesquisadora da Divisão de Fitoquímica do Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA) da Unicamp.

No Brasil, de acordo com a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), há cerca de 12 milhões de pessoas acometidas com esse mal. Adriana Bosco, presidente da SBD Regional Minas Gerais e coordenadora do Ambulatório do Diabetes tipo 2 da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte, explica que, quando a doença não é controlada, com o tempo, a pessoa perde a sensibilidade dos membros inferiores e qualquer lesão pode virar uma úlcera. Há vários medicamentos para tratar os ferimentos em diabéticos, como pomadas e géis específicos.

No laboratório, testes bem-sucedidos para cicatrização de lesões de pele e mucosa

O SUS fornece alguns deles. “O ideal é sempre a prevenção, porque depois é mais difícil de controlar. Mas tudo que vem para contribuir para a cura desse mal é muito bem-vindo. Ainda mais se a matéria-prima é brasileira”, afirma Adriana.

Apesar de ser encontrada em todo o país, a Arrabidaea chica verlot é mais comum na Amazônia, onde os indígenas também a utilizam para combater infecções fúngicas. Mary Ann Foglio conta que foi feito um estudo com as populações para saber qual tipo era o mais adequado para o fim pretendido. “Determinamos as variedades e pesquisamos para montar o conteúdo químico de acordo com as estações e o efeito farmacológico. Quanto mais rico em antocianosídeos — substâncias de origem vegetal que demonstram uma poderosa atividade antioxidante, capacidade de promover a biossíntese do colágeno e impedir sua degradação —, maior o poder de cicatrização”, diz.

Foglio esclarece que a equipe, de cerca de 20 pessoas, vai começar a etapa dos estudos clínicos depois de ter passado pela pesquisa com animais. Várias teses sobre a planta estão em andamento. “Ainda leva um tempo até o medicamento chegar ao mercado. Mesmo porque temos que encontrar empresas interessadas em produzi-lo”, explica. Além desse entrave, há desafios a serem enfrentados, como garantir uma coloração esteticamente melhor, pois o produto deixa a pele avermelhada (parecendo sangue), e descobrir uma forma para que o crajiru não se degrade facilmente, já que ele é um composto muito sensível aos efeitos do ar. É necessário ainda descobrir por quanto tempo o medicamento fica na corrente sanguínea e o tempo que leva para sair do corpo.

O crajiru ocorre em todas as regiões do país, porém é mais comum na Amazônia, onde índios a usam para combater infecções por fungos

Patentes

A pesquisadora da Unicamp foi orientadora da dissertação de mestrado sobre o crajiru de Ilza Maria de Oliveira Sousa, que avaliou a estabilidade do extrato seco e criou formulações semissólidas com os extratos padronizados a partir das folhas da espécie. O trabalho gerou o depósito de uma patente em relação às técnicas para produção de nanopartículas de longa duração. Há ainda outro pedido de patente para os processos para microencapsulação do extrato da planta.

Ilza Sousa explica que se decidiu pelo encapsulamento para aumentar a vida útil do composto. Ela produziu microcápsulas com três materiais diferentes: goma de cajueiro, goma arábica e mistura de goma arábica e maltodextrina. Essa última perdeu a coloração depois de 30 dias de armazenamento, mas com outra matriz se manteve por seis meses. Depois desses testes, ela passou a produzir cremes e diferentes tipos de géis, atestando que o de carbopol e o natrosol reduziram de 70% a 80% a área cutânea ulcerada. Enquanto o grupo de controle reduziu apenas 37%.

Ela conta que ainda não há medicamento natural para cicatrização de pacientes imunodeprimidos. “Trabalhar nesse projeto é uma satisfação pessoal grande, porque alcançamos o objetivo do grupo, que é a pesquisa de medicamentos de uso popular para doenças negligenciadas, aquelas que afetam a população mais carente. Podemos incluí-lo, futuramente, no sistema público de saúde”, conta.

Trepadeira

O crajiru é uma espécie trepadeira encontrada em todo o território brasileiro, mas é mais comum na região amazônica. Algumas espécies do Sul do Brasil não têm o poder cicatrizante tão bom quanto o de outras regiões. Atribui-se à planta propriedades terapêuticas para enfermidades da pele. O Centro de Pesquisa Agroflorestal da Embrapa de Rondônia também informa sobre outros usos medicinais, como em infecções de origem uterina e males do fígado, do estômago e do intestino, além de serventia para leucemia e conjuntivite aguda.



EcoDebate, 20/06/2013

quarta-feira, 19 de junho de 2013

PCHs são um risco para o sistema hidrológico e a biodiversidade do Pantanal

 







Biodiversidade ameaçada – Poucos lugares no mundo abrigam uma variedade de espécies tão grande e mesclam características de tantos biomas, como o Pantanal. A exuberância da reserva de mais de 140 mil quilômetros quadrados, distribuídos entre os estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, é marcada principalmente pelo fato de ela guardar milhares de espécies, muitas delas raras e em extinção. Mas a grande planície alagada, que sobrevive graças aos ciclos de cheia e seca dos rios, atrai também empresários do setor energético. Nos últimos anos, a região pantaneira tem sido ocupada por dezenas de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs). Especialistas acreditam que as intervenções estejam alterando o fluxo migratório de espécies aquáticas. Assim como eles, a comunidade ribeirinha cobra uma avaliação ambiental estratégica do conjunto de equipamentos instalados ao longo do Pantanal para medir o real impacto das PCHs no funcionamento do ecossistema. Matéria no Correio Braziliense, socializada pelo ClippingMP.

Detentor do título de Patrimônio Natural da Humanidade e Reserva da Biosfera, concedido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o Pantanal é uma das maiores planícies úmidas do mundo, que, graças aos grandes rios que cortam a região, tem a formação de grandes inundações de água doce ou salobra em toda a extensão. Companhias de energia viram no grande volume de água uma oportunidade de negócio. O interesse é tão grande que, além das dezenas de PCHs já em funcionamento nos dois estados, outros 87 projetos estão em andamento. Eles haviam sido suspensos por uma liminar na Justiça em dezembro, que proibia a expedição de licenças ambientais para a construção de hidrelétricas até que os órgãos responsáveis apresentassem estudo de impacto do conjunto de PCHs. Mas a liminar foi derrubada em 3 de maio pela desembargadora Marli Ferreira, do Tribunal Regional Federal (TRF) de Cuiabá, depois de um recurso da Associação Brasileira dos Geradores de Energia Limpa (Abragel).

As usinas de pequeno porte que têm sido construídas nos rios da região são capazes de gerar de 1 a 30 megawatts e operam pelo sistema conhecido como fio d”água, em que não há formação de grandes reservatórios de água. Ainda assim, a bióloga Débora Calheiros, especialista em ecologia de rios da Embrapa Pantanal e professora da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), afirma que as PCHs são um risco para o sistema hidrológico da região. Segundo Débora, a construção de tantas usinas já alterou o fluxo migratório dos peixes, que têm enfrentado problemas para se reproduzir. “As PCHs são consideradas pequenas por sua capacidade de geração de energia, mas qualquer obstáculo que é colocado no leito do rio interrompe seu fluxo e altera o ciclo de secas e cheias, fundamentais para a reprodução de algumas das espécies mais importantes do Pantanal”, alerta.

A energia gerada pelas PCHs, segundo Calheiros, é pouca, e não compensa o impacto no meio ambiente. “Elas geram cerca de 1% da energia produzida no Brasil”, aponta. Ela diz ainda que as hidrelétricas podem atingir a atividade pecuária. Alguns produtores, explica, criam gado em pasto nativo, que depende das inundações para se livrar de alguns tipos de vegetação. “A pecuária extensiva já sofre, pois não observamos cheias tão grandes”, observa. Ela ressalta ainda a importância da outra fase do ciclo: “As secas pronunciadas também são importantes, pois é quando algumas espécies, como as tartarugas e algumas aves, aproveitam para se reproduzir”. A bióloga critica a forma como as licenças têm sido concedidas. “Não se pode medir o impacto individual das PCHs quando elas estão em um bioma complexo como o Pantanal. O que cobramos é uma avaliação ambiental estratégica de toda a região para sabermos as mudanças que elas podem causar.”

Pesca prejudicada

Moradora da região de Cáceres (MT) há mais de 40 anos, Elza Bastos Pereira, 52 anos, diz ter testemunhado muitas mudanças no pantanal desde que o conjunto de PCHs começou a operar. Presidente da Colônia de Pescadores de Cáceres, ela notou alterações no pulso de inundação — sistema responsável por controlar as secas e cheias. Elza explica que os peixes são a principal fonte de renda da comunidade ribeirinha. Banhada pelas águas do Rio Jauru, a região é conhecida pela riqueza em espécies aquáticas e abriga pintados, piraputangas, jurupocas, dourados, piaus e barbados, entre vários outros. Além de serem comercializados, os animais ainda são um atrativo para a pesca turística. No entanto, segundo Elza, a população de peixes caiu consideravelmente desde que seis usinas foram construídas no leito do rio.

“É um período de tristeza para a população ribeirinha. Amo o que faço, mas sobreviver da pesca está muito difícil”, lamenta a matogrossense. Elza afirma que as intervenções têm feito o nível do rio baixar mais que o normal, o que resulta na morte de peixes. O resultado, segundo ela, são quedas de até 80% na renda de algumas famílias, o que tem levado pescadores a buscar outra ocupação.

Palavra de especialista
Sistema sensível
“Fazer estudos pontuais para medir os impactos das pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) é querer enganar a população. O pantanal é composto por um sistema bastante sensível, e a instalação de tantas PCHs nessa região tem um grande potencial de impacto. Não temos como dizer com precisão o que vai ocorrer, mas toda a área do pantanal precisa do pulso de inundação, do qual os animais e espécies vegetais dependem para se reproduzir. Mas esse processo ecológico corre o risco de ser alterado com a criação de barragens, mesmo que pequenas, no decorrer do leito dos rios, gerando interrupção no fluxo de enchentes e secas. Não são apenas os peixes que correm o risco de serem prejudicados, a pecuária também pode ser afetada, pois espécies invasoras podem se proliferar em pastos nativos com a mudança dos períodos de cheia e impossibilitar a criação do gado.”

Geraldo Damasceno, biólogo e professor de ecologia de comunidades vegetais da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS)

“Preocupação é exacerbada”

Com o argumento de que as pequenas centrais hidrelétricas promovem a geração de energia limpa, representantes do setor de energia elétrica rebatem a opinião dos especialistas e afirmam que as dezenas de usinas em operação têm contribuído para a preservação do bioma pantaneiro. Superintendente do Sindicato da Construção, Geração, Transmissão e Distribuição de Energia Elétrica e Gás do Estado de Mato Grosso (Sindenergia-MT), Marcelus Mesquita considera exacerbada a preocupação com os possíveis impactos no sistema hidrológico. “Acreditamos que há um exagero. Estão dizendo que a PCH degrada o meio ambiente, mas as pequenas hidrelétricas usam o sistema de fio d”água, e o represamento é muito pequeno”, afirma.

Marcelus observa que, para manter o bom funcionamento das usinas de pequeno porte, as empresas licenciadas precisam se preocupar com o acúmulo de sedimentos nos rios, o que ajuda a preservar a região. “Não pode haver assoreamento nas regiões em que há PCHs, porque isso faz com que as turbinas estraguem. Isso também ajuda a preservar a região”, considera o superintendente. Ele comemora a decisão judicial que possibilitou a retomada dos licenciamentos na região do pantanal. “O estudo conjunto é inviável, e a Justiça entendeu isso. As empresas cumprem todas as exigências da legislação ambiental e vão continuar a solicitar investimentos”, afirma. Enquanto a discussão avança, a pescadora Elza teme pelo futuro do santuário natural. “É o pequeno contra o grande. Temos tentado reverter esse problema na Justiça, mas é preciso agir rápido, porque essas PCHs vão acabar com o nosso Pantanal.” (CS)falsefalsetrueBiodiversidade ameaçadaPesquisadores criticam a instalação de pequenas centrais hidrelétricas no Pantanal. Segundo eles, a alteração no fluxo dos rios põe em risco a vida de várias espécies da fauna e da flora.

EcoDebate, 19/06/2013

terça-feira, 18 de junho de 2013

Brasileiros tomam as ruas do país contra corrupção, gastos públicos na Copa das Confederações e por transporte

 



Brasília, 17/06/2013 – Manifestantes ocupam teto do Congresso Nacional em protesto contra gastos na Copa, corrupção e por melhorias no transporte público, na saúde e na educação

Uma série de manifestações mobilizou milhares de brasileiros em diferentes cidades do país nesta segunda-feira (17). Em São Paulo, os protestos reuniram pelo menos 30 mil pessoas. No Rio de Janeiro, ainda não há estimativas oficiais, mas a Cinelândia ficou tomada de manifestantes. Em Belo Horizonte, entre 18 mil e 20 mil pessoas. Em Brasília, cerca de 10 mil pessoas estiveram concentradas na Esplanada dos Ministérios e parte dos manifestantes chegou a subir a rampa do Congresso Nacional.

Com o mote “Não são apenas 0,20 centavos”, além de se posicionar contra o preço do transporte público, os protestos criticaram a condução da política brasileira, a corrupção, os gastos públicos com as obras para as copas das Confederações e do Mundo de 2014.

As manifestações começaram a tomar corpo na última semana após as ações da Polícia Militar (PM), em São Paulo, que reagiram aos manifestantes contrários ao aumento da tarifa de transporte público na capital paulista. O episódio levou a Defensoria Pública do Estado de São Paulo a questionar a atitude da PM.

Em São Paulo, os manifestantes se concentraram no Largo da Batata e depois ocuparam as oito faixas da Avenida Brigadeiro Faria Lima. Ao contrário do que ocorreu na última manifestação, na quinta-feira (13) – quando a presença da PM foi ostensiva – ativistas e policiais entraram em acordo e, até o momento, não houve registro de conflito.

No Rio de Janeiro, as dezenas de milhares de manifestantes marcharam pela Avenida Rio Branco e se dirigiram à Cinelândia, na região central da cidade, onde ocuparam as escadarias da Biblioteca Nacional e da Câmara de Vereadores. De lá, seguiram pela Avenida Almirante Barroso em direção à Avenida Presidente Antonio Carlos até a Assembleia Legislativa do Estado (alerj). Houve confronto com a polícia e algumas pessoas queimaram um carro e depredaram uma viatura da PM.

Na capital mineira, a concentração do protesto teve início na Praça 7, no centro da capital. De lá, os manifestantes se dirigiram à Arena Mineirão, onde foi disputada nesta segunda a partida entre Nigéria X Taiti, pela Copa das Confederações.

Em Brasília, o protesto começou às 17h. Os manifestantes se concentraram em frente ao Museu da República e, de lá, marcharam em direção ao Congresso Nacional, na Esplanada dos Ministérios.

Apesar do caráter pacífico das manifestações, ressaltado pela palavra de ordem “Sem violência”, entoada em todos os protestos, confrontos entre policiais e manifestantes foram registrados em Belo Horizonte, em Brasília e no Rio de Janeiro.

Também houve registro de protestos em Fortaleza, em Curitiba, em Porto Alegre, em Salvador, em Belém e Campinas. Nós próximos dias, as manifestações, convocadas por meio das redes sociais, devem prosseguir.

* Colaborou Aline Leal

Edição: Lana Cristina, da EBC e Henrique Cortez, do EcoDebate.

Matéria de Luciano Nascimento, da Agência Brasil, publicada pelo EcoDebate, 18/06/2013

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Manifestações populares. Lá fora é lindo de se ver, artigo de Montserrat Martins

 




Foto: Pablo Capilé /Fora do Eixo / EBC



[EcoDebate] A “primavera árabe” comoveu o mundo inteiro, o “Occupy Wall Street” e os jovens do M-15 da Espanha também despertaram simpatias generalizadas, mas quando os manifestantes são daqui – como os contra o aumento das passagens em SP e no RS – então eles passam a ser chamados de “baderneiros e vândalos”, dito pelo governador Alckmin esta semana, linha de raciocínio seguida também pelo prefeito Haddad, um pouco menos explícito. Quer dizer, manifestante bom é manifestante dos outros países, lá fora é lindo de ver.

No auge da guerra fria entre EUA e URSS, Millôr Fernandes dizia que a melhor maneira de saber a verdade sobre os Estados Unidos era ler os jornais da Rússia e vice-e-versa. Quando dois lados brigam, os dois podem ter razão – um sobre os defeitos do outro, como na “sacada” de Sartre de que “o inferno são os outros”. As mesmas autoridades que demonizam os ativistas aplaudem o palestrante Manuel Castells, quando ele descreve a relevância dos movimentos sociais hoje. No papel e no discurso, também é sempre mais bonito que nas ruas, ideias organizadas e concatenadas que explicam o mundo fazem todo o sentido – quando não se tornam realidade dentro da casa da gente. Na questão ambiental acontece o mesmo, disse estes dias o Gabeira: o Brasil faz o papel de defensor da sustentabilidade nas conferências internacionais sobre o clima, mas internamente voltou a aumentar os índices de desmatamento, depois da “flexibilização” do Código Florestal.

Castells foi precursor em identificar nos movimentos por causas específicas – quer dizer, sem um partido ou força política tradicional à frente – uma tendência do século XXI, que ele chamou de sociedade em rede. “O Manifestante” foi eleito a “Personalidade do Ano” da Revista Time, em 2011 e naquele momento ninguém questionou se os movimentos cometiam exageros, depredações, só se exaltou seu caráter de representatividade popular, democrático, da força do povo. Os governantes árabes, é claro, foram os primeiros a apontar aquelas multidões como de baderneiros, como agora diz Alckmin e insinua Haddad.

Já sobre o preço das passagens de ônibus – o motivo dos protestos, afinal – não há respostas significativas, nem mesmo promessas. Uma velha tática política sempre foi mudar de assunto, os alvos se colocarem no lugar de vítimas e culparem quem reclama de cometerem “abusos”. E os preços por acaso não são abusivos, a revolta não é justa? No Egito, com certeza seria, em São Paulo parece que não. Em Porto Alegre, onde uma decisão do TCE está barrando o reajuste, o prefeito e o governador evitaram declarações, ficando para a Brigada e para a mídia o papel de salientar as depredações. Millôr Fernandes, Sartre e cia. já tinha matado essa charada, protesto só é bom na casa dos outros. Lá fora, mesmo, é que é lindo de se ver.

Montserrat Martins, Colunista do Portal EcoDebate, é Psiquiatra.

EcoDebate, 17/06/2013

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Índios, os estrangeiros nativos, por Eliane Brum

 



Brasília, 06/06/2013 – Cerca de 150 índios mundurukus, vindos do Pará, se reuniram na Praça dos Três Poderes, em frente ao Palácio do Planalto, em protesto contra projeto do governo de construir uma usina hidrelétrica no Rio Tapajós. Foto de Antônio Cruz/ABr

A dificuldade de uma parcela das elites, da população e do governo de reconhecer os indígenas como parte do Brasil criou uma espécie de xenofobia invertida, invocada nos momentos de acirramento dos conflitos


A volta dos indígenas à pauta do país tem gerado discursos bastante reveladores sobre a impossibilidade de escutá-los como parte do Brasil que têm algo a dizer não só sobre o seu lugar, mas também sobre si. Os indígenas parecem ser, para uma parcela das elites, da população e do governo, algo que poderíamos chamar de “estrangeiros nativos”. É um curioso caso de xenofobia, no qual aqueles que aqui estavam são vistos como os de fora. Como “os outros”, a quem se dedica enorme desconfiança. No processo histórico de estrangeirização da população originária, os indígenas foram escravizados, catequizados, expulsos, em alguns casos dizimados. Por ainda assim permanecerem, são considerados entraves a um suposto desenvolvimento. A muito custo foram reconhecidos como detentores de direitos, e nisso a Constituição de 1988 foi um marco, mas ainda hoje parecem ser aqueles com quem a sociedade não índia tem uma dívida que lhe custa reconhecer e que, para alguns setores – e não apenas os ruralistas –, seria melhor dar calote. Para que os de dentro continuem fora é preciso mantê-los fora no discurso. É isso que também temos testemunhado nas últimas semanas.

Entre os exemplos mais explícitos está a tese de que não falam por si. Aos estrangeiros é negada a posse de uma voz, já que não podem ser reconhecidos como parte. Sempre que os indígenas saem das fronteiras, tanto as físicas quanto as simbólicas, impostas para que continuem fora, ainda que dentro, é reeditada a versão de que são “massas de manobra” das ONGs. Vale a pena olhar com mais atenção para essa versão narrativa, que está sempre presente, mas que em momentos de acirramento dos conflitos ganha força.

Desta vez, a entrada dos indígenas no noticiário se deu por dois episódios: a morte do terena Oziel Gabriel, durante uma operação da Polícia Federal em Mato Grosso do Sul, e a paralisação das obras de Belo Monte, no Pará, pela ocupação do canteiro pelos mundurucus. O terena Oziel Gabriel, 35 anos, morreu com um tiro na barriga durante o cumprimento de uma ordem de reintegração de posse em favor do fazendeiro e ex-deputado pelo PSDB Ricardo Bacha, sobre uma terra reconhecida como sendo território indígena desde 1993. Pela lógica do discurso de que seriam manipulados pelas ONGs, Oziel e seu grupo, se pensassem e agissem segundo suas próprias convicções, não estariam reivindicando o direito assegurado constitucionalmente de viver na sua área original. Tampouco estariam ali porque a alternativa à luta pela terra seria virar mão de obra barata ou semiescrava nas fazendas da região, ou virar favelados nas periferias das cidades. Não. Os indígenas só seriam genuinamente indígenas se aceitassem pacífica e silenciosamente o gradual desaparecimento de seu povo, sem perturbar o país com seus insistentes pedidos para que a Constituição seja cumprida. Aí já há uma pista para o que alguns setores da sociedade brasileira entendem como identidade “verdadeira”: ser índio seria, quando não desaparecer, ao menos silenciar.

No caso dos mundurucus, questionou-se exaustivamente a legitimidade de sua presença no canteiro de obras da hidrelétrica de Belo Monte, por estarem “a 800 quilômetros de sua terra”. De novo, os indígenas estariam extrapolando fronteiras não escritas. Os mundurucus estavam ali porque suas terras poderão ser afetadas por outras 14 hidrelétricas, desta vez na Bacia do Tapajós, e pelo menos uma delas, São Luiz do Tapajós, deverá estar no leilão de energia previsto para o início de 2014. Se não conseguirem se fazer ouvir agora, eles sabem que acontecerá com eles o mesmo que acabou de acontecer com os povos do Xingu. Serão vítimas de um outro discurso muito em voga, o da obra consumada. A trajetória de Belo Monte mostrou que a estratégia é tocar a obra, mesmo sem o cumprimento das condicionantes socioambientais, mesmo sem a devida escuta dos indígenas, mesmo com os conhecidos atropelamentos do processo dentro e fora do governo, até que a usina esteja tão adiantada, já tenha consumido tanto dinheiro, que parar seja quase impossível.

Adiantaria os mundurucus gritarem sozinhos lá no Tapajós, para serem contemplados no seu direito constitucional, respaldado também por convenção da Organização Internacional do Trabalho, de serem ouvidos sobre uma obra que vai afetá-los? Não. Portanto, eles foram até Belo Monte se fazer ouvir. Mas, como são indígenas, alguns acreditam que não seriam capazes de tal estratégia política. É preciso resgatar, mais uma vez, o discurso da manipulação – ou da infiltração. Já que, para serem indígenas legítimos, os mundurucus teriam de apenas aceitar toda e qualquer obra – e, se fossem bons selvagens, talvez até agradecer aos chefes brancos por isso.

Quando os indígenas levantam a voz, a voz não seria sua. Seria de um outro, a quem emprestam o corpo. Ninguém é ingênuo a ponto de acreditar que o discurso dos indígenas como massa de manobra seja inocente. Ele serve a muitos interesses, inclusive o de tirar do foco os reais interesses sobre as terras indígenas de quem o difunde. Mas esse discurso não teria ressonância se não tivesse a adesão de uma parte significativa da população brasileira. E esta adesão se dá, me parece, por essa espécie de xenofobia invertida. Estes “estrangeiros nativos” ameaçariam um suposto progresso, já que seu conhecimento não é decodificado como um valor, mas como um “atraso”, sua enorme diversidade cultural e de visões de mundo não são interpretadas como riqueza e possibilidades, mas como inutilidades. Neste sentido, há uma frase bastante reveladora de como esse olhar – ou não olhar – contamina amplas parcelas da sociedade, inclusive no governo. Ao falar em uma audiência pública na Câmara dos Deputados, em dezembro passado, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse que sua pasta atendia “da toga à tanga”. Entre os dois extremos, podemos ver em qual deles o ministro situa o ápice da civilização e também o seu oposto.

Há ainda uma dupla invocação do estrangeiro nesse discurso, já que a única coisa pior do que ser “massa de manobra” de ONGs nacionais seria ser das estrangeiras. Evocar a ameaça externa parece sempre funcionar, como naqueles SPAMs, que volta e meia reaparecem, de que “os gringos estão invadindo a Amazônia” – esta também, tão nossa que podemos destruí-la, tarefa a que temos nos dedicado com afinco. Ao denunciar uma suposta apropriação do corpo simbólico dos indígenas por outros, o que se revela, de fato, é a frustração porque esse corpo não se deixa expropriar e manipular pelas elites como antes. Porque apesar de todas as violências, há uma voz que ainda escapa – e que demanda o reconhecimento de seu corpo-terra, de seu pertencimento. Aquele que é visto como o de fora se torna um incômodo quando diz que é parte.

Vale a pena prestar atenção em quem amplifica o discurso dos indígenas como “massa de manobra”, para verificar que fazem exatamente o que acusam outros de fazer: afirmam o que os indígenas, todos eles, precisam e querem. Parece haver um consenso, inclusive, de que o verdadeiro desejo dos indígenas seria se tornar um trabalhador assalariado e urbano ou, pelo menos, o beneficiário de algum programa de transferência de renda do governo.

Nesta posição, eles não atrapalhariam ninguém – e menos ainda os produtores rurais. Este é o momento chave para a entrada de outro discurso recorrente: o de que os indígenas querem terra “demais”. Basta fazer as contas, como fez o jornalista Fabiano Maisonnave, na Folha de S. Paulo: com uma população de 28 mil indígenas em Mato Grosso do Sul, os terenas têm sete reservas, somando cerca de 20 mil hectares; já o produtor rural Ricardo Bacha, em cuja fazenda foi morto o terena Oziel Gabriel, tem cerca de 6.300 hectares, dos quais 800 em litígio. Se é de concentração de terra na mão de poucos que se pretende falar, há muitos números ilustrativos que podem ser citados. Outro dado interessante vem de uma pesquisa da Embrapa, citada em artigo do engenheiro florestal Paulo Barreto, no site O Eco: há 58,6 milhões de hectares de pastos degradados pela pecuária, o equivalente a 53% da área total de terras indígenas. “A Embrapa tem demonstrado que já existem as tecnologias para aumentar a produtividade dos pastos degradados. Assim, ocupar terra indígena é, além de inconstitucional, prova de incompetência”, afirma Barreto. A Embrapa é um dos novos atores que deverão ser chamados para opinar sobre as demarcações, numa manobra para esvaziar a Funai e agradar a bancada ruralista.

O lugar de estranho indesejado,supostamente sem espaço no Brasil que busca o desenvolvimento, tem permitido todo o tipo de atrocidades contra indivíduos e também contra etnias inteiras ao longo da história. Seria muito importante que cada brasileiro reservasse meia hora ou menos do seu dia para ler pelo menos as primeiras 16 páginas do resumo do Relatório Figueiredo, um documento histórico que se acreditava perdido e que foi descoberto no final de 2012 por Marcelo Zelic, vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, de São Paulo. No total, o procurador Jáder Figueiredo Correia dedicou 7 mil páginas para contar o que sua equipe viu e ouviu. A íntegra também está disponível na internet.

O relatório, datado de 1968, documentou o tratamento dado aos povos indígenas pelo extinto Serviço de Proteção aos Índios (SPI). Entre os crimes, cujos responsáveis foram nominados, mas jamais punidos, estão os “castigos” infligidos pelos funcionários aos indígenas, como crucificações e uma tortura conhecida como “tronco”, na qual a vítima tinha o tornozelo triturado. Crianças eram vendidas para abusadores, mulheres, estupradas e prostituídas. Duas aldeias de pataxós, na Bahia, foram dizimadas para atender aos interesses de políticos de expressão nacional da época.Uma nação indígena inteira foi extinta por fazendeiros, no Maranhão, sem que os funcionários sequer tentassem protegê-la. O procurador cita a possível inoculação do vírus da varíola em uma etnia de Itabuna, na Bahia, para que as terras fossem liberadas para “figurões do governo”, assim como o extermínio de um grupo de cintas-largas, em Mato Grosso, de várias formas: atirando dinamite de um avião e adicionando estricnina ao açúcar, além de caçá-los e matá-los com metralhadoras. O massacre ocorreu em 1963, ainda no período democrático, portanto, e os que ainda assim sobreviveram foram rasgados com o facão, “do púbis a cabeça”.

A lista é longa. É importante ressaltar que tudo isso não se passou na época de Pedro Álvares Cabral, nem mesmo no tempo dos bandeirantes, mas na década de 60 do século XX. Praticamente ontem, do ponto de vista histórico. Cabe enfatizar ainda que os crimes foram infligidos aos indígenas, num comportamento disseminado por todo o país, por representantes do Estado brasileiro. Menciono o relatório não só porque acredito que precisamos conhecê-lo, mas porque ele demonstra que tipo de olhar permite que atrocidades dessa ordem tenham se tornado uma política não oficial, mas exercida como se fosse – e não por um único psicopata, mas por dezenas de funcionários e suas esposas, com o apoio e às vezes a ordem da direção do órgão criado para proteger os povos tradicionais. Para estas pessoas, o corpo dos indígenas era território a ser violado, como violada foi a sua terra. Como aqueles sem lugar, os indígenas não eram reconhecidos como iguais, nem mesmo como humanos. Eram o que, então? O procurador responde: “Tudo como se o índio fosse um irracional, classificado muito abaixo dos animais de trabalho, aos quais se presta, no interesse da produção, certa assistência e farta alimentação”.

Para quem imagina que este capítulo é parte do passado, vale a pena lembrar que apenas nos últimos dez anos, nos governos Lula-Dilma, foram assassinados 560 indígenas. A Constituição precisa ser cumprida, as demarcações devem ser feitas, os fazendeiros que possuem títulos legais, distribuídos pelo governo no passado, têm direito a ser indenizados pelo Estado. Mas há um movimento maior, mais profundo, que é preciso empreender. Como “estrangeiro nativo”, uma impossibilidade, só é possível perpetuar a violência.É necessário fazer o gesto, também em nível individual, de reconhecer o indígena como parte, não como fora. Para isso é preciso primeiro desejar conhecer, o gesto que precede o reconhecimento. Só então o Brasil encontrará o Brasil.

Eliane Brum, jornalista, escritora e documentarista. Autora de um romance – Uma Duas (LeYa) – e de três livros de reportagem: Coluna Prestes – O avesso da lenda (Artes e Ofícios), A vida que ninguém vê (Arquipélago, Prêmio Jabuti 2007) e O olho da rua – uma repórter em busca da literatura da vida real (Globo).
elianebrum@uol.com.br
Twitter: @brumelianebrum

Artigo originalmente publicado na revista Época



EcoDebate, 12/06/2013

terça-feira, 11 de junho de 2013

Para entender porque matam os índios, artigo de Elaine Tavares

 



por Latuff para o Dìncao cedido ao Humor Político


O caso da demarcação das terras indígenas no Mato Grosso do Sul ou em qualquer outro estado do país não está fora do contexto desse avanço e fortalecimento do agronegócio


[Brasil de Fato] No início do século XX, o Brasil decidiu expandir suas fronteiras agrícolas, fortalecendo a sua posição de país dependente, exportador de matérias primas. Era necessário então avançar pelo interior, abrir caminhos para a pecuária e a agricultura. Aí entrou em cena o Marechal Rondon, que sonhava com uma convivência pacífica entre índios e brancos: “morrer sim, matar, jamais”. Mas, esse legado de humanidade se perdeu no tempo. “Pacificados,” os indígenas chamados a se “civilizar”, a entrar no ritmo da sociedade branca, foram perdendo sua identidade, suas raízes, sua cultura. Outros, renitentes, foram alojados em reservas, como se fossem bichos exóticos, com suas terras diminuídas e tutelados pelo estado. O território “pacificado” ganhou escrituras, donos, cercas. E aos verdadeiros donos do território restou a nostalgia de um tempo em que eles podiam viver à sua maneira.

Agora, durante o mais novo ciclo de desenvolvimento dependente brasileiro, que teve início no governo Lula, é justamente essa dita fronteira agrícola que busca se expandir outra vez e, de novo, às custas dos povos originários ou dos camponeses sem terra. Mas, quando falamos em agricultura não está em questão aquela que produz comida para a mesa dos brasileiros, e sim a de exportação, que na linguagem empresarial ganhou o pomposo nome de agronegócio. Pois esse negócio (o agrobussines) representa mais de 22% da riqueza total produzida no país, o que não é pouca coisa. Só a China tem importado mais de 380 milhões de dólares em produtos agrícolas, bem como os Estados Unidos que encosta nessa mesma cifra.

Segundo informações do governo federal (http://www.brasil.gov.br/sobre/economia/setores-da-economia/agronegocio – dados de 2011) , os produtos de maior destaque que saem do país são as carnes (US$ 1,14 bilhão); os produtos florestais (US$ 702 milhões); o complexo soja – grão, farelo e óleo (US$ 685 milhões); o café (US$ 605 milhões) e o complexo sucroalcooleiro – álcool e açúcar (US$ 372 milhões). Nota-se que a maior parte da exportação diz respeito a grãos (que no geral servem para alimentar animais) e madeira, dois legítimos representantes da monocultura destruidora de terra.

Cálculos do governo apontam para o sucessivo crescimento da produção de grãos, principalmente a soja, que tem aumentado a área plantada em 2,3% ao ano. Não é por acaso, então, que o Mato Grosso do Sul seja o principal foco de disputa de terra e de violência contra os indígenas. É justamente a região centro-oeste a responsável por 45% da produção de soja. E é lá também onde existe uma grande parcela do povo autóctone, esperando demarcação de suas terras.

A partir do ano de 2003 outra fronteira começou a se alargar na plantação de soja, atualmente outro espaço de violentas disputas, a da região da caatinga e a parte nordestina da Amazônia. Também não é sem razão que o governo esteja levando adiante obras gigantescas como as Hidrelétricas na Amazônia e a transposição do Rio São Francisco. Tudo isso é para atender a demanda dessas plantações. E é sempre bom frisar: não é comida para o povo, é produto de exportação. Vai para fora do país.

Não bastassem os projeto mirabolantes para beneficiar o agronegócio, o governo também disponibiliza, através do Plano Safra, crédito a juros abaixo do mercado. Ou seja, os mais ricos pagam menos pelos empréstimos, enquanto os pequenos, que plantam a comida que vai para a mesa da população, amargam juros altos e falta de apoio. Também está em andamento o Plano Estratégico do Setor Sucroalcooleiro, que visa ampliar a área de cana-de-açúcar para a produção do etanol. mais uma vez, não é comida o que essa gente produz.

A lógica é a de sempre: garantir rentabilidade para poucos donos de terra, reforçar o sistema agroexportador, apoiar a ação de multinacionais predadoras, e seguir o caminho de dependência econômica, já que produtos agrícolas de baixo valor agregado tornam a economia bastante vulnerável. Mas, ao que parece isso não importa. O que vale é seguir investindo nos grandes produtores para manter a balança em superávit, mesmo que isso precise custar soberania, destruição ambiental e morte daqueles que ousam “atrapalhar” o esquema.

Assim, na mesma semana em que indígenas são assassinados no Mato Grosso do Sul, o governo anuncia mais um pacote de 136 bilhões de reais para a agricultura empresarial (o agronegócio). É a completa rendição.

O caso da demarcação das terras indígenas no Mato Grosso do Sul ou em qualquer outro estado do país não está fora do contexto desse avanço e fortalecimento do agronegócio. Os fazendeiros querem mais terras e não estão dispostos a permitir que seres que eles consideram “inúteis” vivam sua cultura de equilíbrio ambiental e desenvolvimento fora do ritmo capitalista. Para aqueles que apenas conseguem enxergar os números da bolsa de Nova Iorque, a população indígena é um entrave que precisa ser retirado do caminho a qualquer custo. Para isso contratam jagunços e mandam bala. Fazem ouvidos moucos ao clamor que se levanta.

Ajudados pela mídia comercial, dominada pela elite que verdadeiramente governa o país, esses empresários rurais conseguem também entrar na cabeça das gentes, fertilizando um discurso racista, preconceituoso e violento. Pessoas simples, trabalhadores, gente que deveria ser solidária aos indígenas na sua luta pelo direito de viverem em suas terras, acabam reproduzindo o mantra diariamente veiculado na televisão: que os índios são vagabundos, que não querem trabalhar, que não precisam de terra, que vão vender os terrenos, que vão explorar a madeira, e assim por diante. “Compram” a mentira diuturnamente produzida e tornam-se cúmplices de mais um massacre da população originária, verdadeira dona desse lugar.

Não bastasse isso o governo federal se curva aos interesses da classe dominante e emprega a força bruta para atacar manifestações legítimas dos povos indígenas e das gentes que apoiam a causa originária.

O conflito que temos visto se explicitar nas estradas do Mato Grosso do Sul, na Amazônia e até aqui, no Morro dos Cavalos, nada mais é do que a luta de classe, típica do capitalismo. De um lado, o latifúndio defendendo seus interesses, do outro, os explorados, buscando vida digna. E, no meio disso tudo uma nação alienada pela constante deformação informativa da mídia comercial que transforma em inimigo aqueles que são as vítimas do sistema.

A saída para esse imbróglio é a luta mesma. Nada será concedido pelo governo, que já se ajoelhou diante do agronegócio. Agora, o desafio é tirar o véu do conflito, escancarar as causas, abrir os olhos dos entorpecidos pela mídia. E isso, sabemos, é coisa difícil demais. Mas, também não é coisa que deva nos imobilizar. Pelo contrário. Nessa hora em que os irmãos indígenas enfrentam as balas e a morte, é preciso apoio concreto e efetivo. O bom mesmo seria que as gentes saíssem para a rua em solidariedade à luta indígena. Enquanto isso não acontece vamos fazendo o trabalho de formiga, levando outra informação, para que as cabeças possam compreender o direito dos indígenas.

Não é possível que os sindicatos e os movimentos sociais não se levantem em apoio. Não é possível que as gentes brasileiras não se co/movam com o drama de uma gente que perdeu tudo o que era seu e que hoje vive confinada em reservas. O que fizeram para serem prisioneiros do estado e da sociedade? Que crime cometeram além de estarem aqui, criando suas famílias, quando os invasores chegaram? Por que precisam pagar pelo fato de existirem e quererem seguir vivendo sua cultura?

O que farias tu se alguém chegasse na tua casa e te arrancasse dali sob o pretexto de que é preciso passar por ali o progresso – mas não de todos, apenas de alguns? Porque o direito do agronegócio é maior do que o de uma comunidade inteira?

Essas são perguntas que não querem e não podem calar. Todo apoio aos irmãos indígenas!

Elaine Tavares é jornalista.



Artigo originalmente publicado no Brasil de Fato e indicado por Ruben Siqueira, CPT/BA, para o EcoDebate, 11/06/2013

Mais da metade dos parques nacionais ainda estão irregulares


Mais da metade dos 68 parques nacionais (Parnas) continuam irregulares, quase oito décadas depois da criação da primeira unidade de conservação (UC) com as regras vigentes. A falta de regularização fundiária dessas áreas tem sido uma das cobranças mais frequentes feitas pela ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, em reuniões com autoridades ambientais federais.

Ainda assim, o Instituto Chico Mendes (ICMBio), criado em agosto de 2007 para coordenar os parques, não conseguiu resolver o problema. A situação que se prolonga por décadas é apontada como um dos sinais da deficiente política de Estado para a área, criticada tanto por especialistas do próprio governo quanto por organizações não governamentais.

A falta de investimentos nessas unidades é um dos principais problemas constatados. No orçamento do ICMBio não existe uma destinação específica para as unidades de conservação.

“Alguns estudos já mostravam que com 10% dos recursos usados em Belo Monte seria possível regularizar os parques nacionais. Com R$ 2 bilhões, [o governo] regularizaria todo o sistema, não apenas os parques”, disse a engenheira agrônoma Maria Tereza Pádua, presidente do site ECO e integrante da Comissão de Parques Nacionais da União Mundial para a Conservação da Natureza (UICN).

Falta de investimento: Sem estrutura, 21% de parques e unidades de conservação do Brasil estão fechados

O valor estimado já considera a realidade do atual mercado imobiliário. Além de negociar com proprietários rurais, o governo terá que chegar a preços adequados em regiões próximas aos centros urbanos, onde o preço da terra é cada vez mais valorizado, como os casos de unidades próximas das capitais São Paulo e Rio de Janeiro.

Enquanto não há orçamento claramente definido, Maria Tereza Pádua aponta outras fontes que poderiam ser utilizadas para essa regularização.

O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços Ecológico (ICMS Ecológico), por exemplo, foi criado para compensar os municípios pela restrição de uso de áreas protegidas, estimular a criação de outras e melhorar áreas já protegidas como forma de aumentar a arrecadação.

Em Minas Gerais, ficaram definidos “índices de qualidade ambiental” para balizar os cálculos do imposto. Segundo a agrônoma, algumas cidades pequenas chegam a arrecadar R$ 2,7 milhões por ano com esse imposto.

Para a especialista, esses recursos deveriam compor o esforço financeiro pela regularização dos parques nacionais. O Parna do Itatiaia, no Rio de Janeiro, foi o primeiro criado no país e, até hoje, está irregular. Como outras unidades, o parque aguarda uma solução para que possa cumprir o papel de conservação de espécies identificadas na região.

Quando o parque está implementado, como é o caso da Serra do Cipó, em Minas Gerais, ou o Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná, os municípios percebem o valor do local e ganham dinheiro com o ecoturismo e as concessões, disse a agrônoma.

Maria Tereza acrescentou que todo ano há desmatamento em algumas regiões porque a sociedade não compreende o valor dessas áreas. Ela disse ainda que quando percebem os benefícios econômicos que essas unidades podem trazer, elas passam a ser bem vistas pela comunidade local. (Fonte: Agência Brasil)